quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Não sabia-se de outro jeito .

Acordou com o dia nublado, olhou no relógio e percebeu que eram nove horas da manhã, apesar do cansaço e de achar justo dormir mais quatro horas, já que havia sofrido de uma insonia terrivel que durou até as cinco da manhã, Luisa decidiu levantar. Levantou, constatou que sua cabeça continuava perdida nas informações do dia anterior, uma mentira e um convite completamente recusavel. Quis que aqueles pensamentos parassem, mas não teve jeito, parada em frente a geladeira, sabia que eles viriam e tomariam conta da sua mente tão cansada quanto o corpo, foi quando constatou: não havia leite. Decidiu não tomar café da manhã, não era tão importante assim, até porque não acharia qualquer outra coisa melhor que leite. Sentou no sofá de frente para a tevê LCD nova e decidiu assistir o que havia deixado gravando na noite anterior, um filme de Charlie Chaplin, "O Grande Ditador". A principio queria deixar-se levar, queria ficar muda dentro dela mesma como no filme, não conseguiu de primeira, mas depois sem toda a preparação e o esforço, ela havia se esquecido. Luisa adorava filmes em preto&branco, adorava tudo que havia de mais sensível em termos de gestos e escassas palavras, gostava ainda mais do musicais e filmes mudos. Era a única maneira de ser por completo, não havia outro. Detestava finais óbvios demais, ela queria pensar, sentir, ela queria ser tudo o que não podia. Ela conseguia. Término do filme e Luisa percebeu que o seu dia nem havia começado, ainda com a cara amassada (bem menos quando acordou, mas ainda assim amassada), um pijama e com o cabelo despenteado, ela não havia planejado o seu dia. Ainda achando justo ficar nessa vida suspensa, o gesto seguinte foi maior que ela mesma, se arrumou, penteou, se perfumou e recebeu uma ligação. Chegou ao metrô, trocou o dinheiro inteiro no guiché e se atrapalhando toda - um charme dela - deixou cair uma moeda ao chão, quando pisou em cima e arrastou-a até a si mesma, percebeu o esforço de um garoto com cerca de 20 anos ao tentar pega-la para lhe dar, ora, não havia porque ser tão resistente, tirou o pé da moeda e permitiu tal gesto, ele não pensou duas vezes, pegou a moeda de valor muito baixo e a entregou olhando no fundo dos seus olhos e a única coisa que veio a mente dela foi: "Obrigada", mas demorou a sair, coisa que fez ele sorrir ainda olhando pra ela. Luisa era ua menina bonita, não tinha nada de tão diferente em aparência, mas era elegante e tinha isso a seu favor. Sua vontade foi perguntar o nome dele, se dizer maluca logo de cara, porém, isso o faria perceber na própria fala, bolou dialogos estratégicos, percebeu que ele havia se interessado, estava na hora de conhecer pessoas novas, mas tudo que havia criado foi interrompido pelo vagão que havia chegado. Ele entrou e ainda tentou ve-la de maneira discreta do lado de dentro, ela não disfarçou, mas precisou ficar mais um pouco na plataforma. Foi até o centro da cidade, ao teatro Municipal, lugar lindíssimo, e constatou a importância de Portinari com sua exposição naquela fila quilométrica na Av. Rio Branco, mas nem isso deteve o seu dia, atravessou a rua e foi até a Biblioteca Nacional, também não se importaria em não ter mais vagas nos horários de visitação. Saiu dali e encontrando mais três amigas foram tomar o café a qual não havia dado tempo nos cafés coloniais do centro do Rio de Janeiro, conversou, riu, brincou, esqueceu de tantas coisas que lhe importunavam pela manhã, ela não havia percebido. O mero acaso era a sua felicidade, ela sabia onde encontrar o que tanto amava, era no acaso e não havia jeito, nas pequenas coisas ela foi se entregando durante o dia, sem perceber abria sorrisos quando via um moço parecido com aquele de outros tempos, se recolhia um pouco quando passava em frente ao Odeon, onde o esperou da penúltima vez que se viram por uma hora, ria com histórias passadas na sua cabeça e seus olhos brilhavam quando ouvia qualquer música. Ela não percebeu, mas aquilo era sua felicidade, ao extremo acaso, assim com ela. Mas ainda era cedo e não voltaria para casa. Pegou um outro ônibus e recebeu outra ligação, eram seus amigos que não via fazia tempo, sentiu saudade, só a reconheceu quando desligou. Foi ao encontro deles. Conheceu pessoas novas, riram, percebeu o quanto era amada e o quanto amava aquelas pessoas, caminhou aos poucos e só perdeu o acaso quando pronunciou também ao acaso o nome dele, depois disso, percebeu-se saudade. Ainda que se desse o direito de sofrer um pouco, sentir um pouco ou ficar mais calada, ela seguiu em frente, recuperou a sanidade. O ano novo estava chegando e seria necessário uma roupa nova, saiu de loja em loja comprando, comprou sorvete e tudo o mais que estava afim. Ela podia comer de tudo, não engordava nenhuma grama, não era genético, nem sorte, ela tinha auto-controle, desde cedo sabia distinguir a fome da vontade de comer e não se importava muito com a alimentação. O acaso regia mais que seu dia, mas a sua vida. Quando percebeu as horas, voltou para casa. Ninguém a havia pertubado, não havia planejado nada, seu corpo estava exausto demais, tudo que precisava era de banho e cama, ela tinha certeza de que essa noite dormiria bem, em paz, feliz consigo mesma, entretanto, havia um preço alto a se pagar: voltar para qualquer traço de normalidade (e tédio) no dia seguinte. E no espaço entre os dois gestos, nos espaços mudos de suas falas, ela pensou nele, não tinha mais forças para lutar contra, mesmo que quisesse, não queria. Se permitiu sentir cada pedaço do corpo dele, se permitiu aos arrepios, ao tesão, ela se entregou a ele como fez na outra noite: era seu corpo dormindo ao lado do seu, a cara inchada de manhã, a reclamação ao abrir a cortina, o simples 'bom dia' antes de voltar a dormir... tudo. Ainda o tudo não era suficiente. Talvez Luisa o amasse, mas não era o amor que ela via jogado no passar dos dias, mas a beleza, a graça, algo diferente que ele havia acrescentado a sua vida, o antídoto do tédio que era a monotonia de sua vida, ela não se esquecia de quem era com ele, ela só não achava outro jeito.

Um comentário:

  1. "decidiu assistir o que havia deixado gravando na noite anterior, um filme de Charlie Chaplin, "O Grande Ditador"."

    quem falou que tava passando? quem? hahahahaha
    sua linda, nem preciso falar que o texto tá perfeito né? :*

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