segunda-feira, 8 de março de 2010

Eu quero ver o mar.

O mar. A única lembrança que possuia ao caminha naquela areia um tanto fria era a de que tinha um medo enorme do mar, apesar de gostar tanto de passar horas olhando pra algo que não tinha certeza se tinha fim. O único obstáculo pra cena ficar mais harmonica era o terno e a gravata que trajava, da pasta já tinha se livrado fazia um tempo de caminhada, dos sapatos fechados também, a próxima vitima seria aquele nó apertado por cima da camisa de manga comprida, ventava muito e a praia estava quase vazia. Quase, porque avistou logo a sua frente uma moça muito bonita sentada com sua saia laranja de frente para o mar e ela o encarava de uma forma doce, como se fosse possível uma combinação perfeita da doçura dela com o salgado do mar e ela não se importava em ser atingida em cheio por aquela água que já não devia estar tão fria quanto a areia. Ainda assim, ele tentou penetrar naquela paz estabelecendo com ela um diálogo:
- Oi, desculpa perturbar, mas você parece tão concentrada no infinito bem a sua frente, onde o mar não tem fim.
- Tudo bem, não me incomoda tanto quanto as coisas que estão na minha mente, e sim, tudo isso é lindo, mas lá não é o fim do mar, mas o começo, o fim se dá aqui nos meus pés onde a água me toca e passa a ser eu o infinito de ideias, pensamentos, sentimentos e mais outra porção de coisas que acontece dentro da gente.
- É verdade. Mas qual seria o seu nome?
- Eu hoje não possuo nome.
- Como não? Deve ter um pai, uma mãe, irmãos talvez, todo mundo tem um nome, me diga o seu.
- Se tudo isso me fosse importante hoje, acho que não estaria aqui por agora, aliás, acredito que nem você.
Foi a primeira vez que ela tirou os olhos do mar e finalmente olhou pra ele de cima a baixo não como quem analisa uma situação estranha, mas como uma curiosidade, tão aberta e possível quanto o mar.

- Posso me sentar com você? Hoje também não quero ter nome, nem obrigações, nada que me faça querer matar ou morrer.
- Não só pode, como deveria ter sentado e arrancado de vez essa gravata que tanto incomoda, não só a você que a veste, mas a mim que não suporto limites. Aposto que deve ter saído do trabalho, recusou uma série de happy hours com pessoas que não são seus amigos pra ficar nessa espécie de solidão com a natureza, desde criança o mar deve ser pra você apenas lembrança e vejo que não se aguenta muito tempo longe das pessoas, pelo modo como me abordou e sentou do meu lado sem saber qualquer informação inútil sobre mim.
- Tem razão, não lido bem com o que paira sobre a minha cabeça, pensamentos me consomem, mas quanto ao Happy hour, nem durei tanto na empresa pra que surgisse qualquer convite, vim por conta própria, não por rejeição.
- Entendo. Vê a lua? Ela está minguante, hoje ela entra em Sagitário.
- E o que isso significa ao certo?
- Bom, pra você nada, mas pra mim significa mudanças em relação ao momento atual de minha vida, acabar com determinações inacabadas, pôr em ordem, arrumação, compreende?
- Acho que entendi, mas como sabe tanto sobre essas definições?
- Acredito que tenha nascido com isso, um pouco de curiosidade sobre o rumo das coisas também não mata ninguém. Aliás, você me pareceu um tanto desesperado quando mencionou matar ou morrer, por que?
- Tenho tido preocupações e problemas que não solucionam, ao contrário, so fazem abrir uma ferida maior em cima daquela não cicatrizada, não me deixam em paz, meu coração é um dos principais motivos pra esse papel do desespero. E dói tanto, tanto que necessito de medidas desesperadas como largar tudo e correr pra ver o mar.
- E por que não mergulha nele?
- Porque tenho medo.
Ela soltou um breve riso que o deixaria envergonhado:
- Medo? Então é isso, você procura o mar em desespero para que seus medos internos tomem proporções pequenas diante do pavor que criou pelo infinito. Logo vi que não mataria ninguém nem mesmo morreria por conta própria, o desconhecido te assusta porque não tens a mínima idéia do que fazer quando estiver submerso a ele. Você precisa de aviso prévio, tempo pra planejar... não é isso?
- É exatamente isso, começo a achar que é alguma espécie de vidente ou paranormal que tem a capacidade de ler minha mente.
- Nada disso, é só que você não é muito diferente de alguns outros que conheci e a eles eu disse o mesmo: "Se joga de cabeça, mesmo que tenha um ferimento, não vai ser nenhum traumatismo craniano que vai te deixar em coma por alguns anos", a vida não é dessa maneira, menino, a vida é feita do agora, o que você deixa pra trás é tão improvavel e impossível quanto o que estar por vir a sua frente. E fugir é assumir fracasso, negar é assimilar derrota, daí a gente não cresce, aproveita essa lua, esse resto de noite pra começar uma vida nova, nem que seja necessário pular sete ondinhas pra que seja verdade. Vem comigo, vamos juntos.

Foi então que entraram no mar da maneira que estavam, no começo ela segurou em sua mão, em seguida o mandou fechar os olhos e se imaginar criança, uma criança que foge de casa e vê o mar de uma maneira toda nova, como se fosse uma brincadeira, ela o soltou e ele nunca esteve tão feliz. Parecia mais leve ao voltar pra areia, se jogou sem se preocupar como voltaria, na lambança que ficara em suas roupas, nada disso importava, só o fato daquela moça sem nome ter deitado ao seu lado e segurado a sua mão.

- Agora você é um grão de areia como toda a extensão dessa praia, não existe mais eu e você, só esse chão de areia que nós somos, não larga da minha mão ainda, olha só aquelas estrelas nos olhando lá em cima, parecem tão longe quando deitamos, parece tão impossível encontrá-las, algumas talvez até estejam mortas.

Ele olhou para o lado e viu o rosto lindo da moça desconhecida olhar diretamente pro seu e completou:

- Talvez estrelas estejam tão perto dos anjos, talvez seja por isso que estamos sendo contemplados com tantas numa só noite. É isso, te chamo de anjo, porque está dentro das medidas improvaveis e infinitas da minha vida, não te esqueço nunca, não solto da tua mão enquanto ainda for possível toca-la.
- Assim como você será o meu seguro, ainda que não te veja mais, mesmo que isso esteja acontecendo por uma noite e me ache o ser mais estranho por estar deitada na areia com um sujeito que acabei de conhecer e solto palavras que não faria o menor sentido em qualquer outro tempo, porém, se tornam nosso elo no aqui, momento presente, tão raro quanto a percepção da noção de tempo que ganhamos sendo um do outro.
- Podemos nos encontrar ainda fora daqui.
- Sim, podemos, de maneira totalmente ao acaso, em outra condição, outra época ou essa mesma, não depende de nós, não quero que dependas. Entenda que não tenho seu passado, se ele fez você sentir dores, alegrias e muitas emoções outras não me interessa, também não tenho o teu futuro que é tão incerto quanto o meu, a única mudança capaz de obter de você é no presente, esse momento que desfruto contigo como se fosse parte de mim, no momento em que seus dedos entrelaçam nos meus, que meu corpo fica suspenso sobre o teu, que a minha mente não tem sequer um vestido da vida exterior enquanto eu tiver em você qualquer expectativa de continuar no agora.

Nesse momento, ele a puxou mais para perto e ela subiu em cima daquele corpo extendido até então do seu lado na areia. Olhando no fundo dos seus olhos, ela repetiu que era dele e nada mais importava, enquanto ele dizia que era loucura o que ambos diziam, ela pôs o dedo na sua boca para que não dissesse mais nada, só escutasse o barulho do mar e olhando nos fundos dos seus olhos procurando um rastro qualquer de profundidade, agora o encarava da mesma forma como ao mar quando ele a encontrou.
Não demorou muito para que ele a puxasse contra seu corpo e a beijasse, dizendo para ficar com ele, uma visita inesperada numa noite iluminada por determinada luz que ele não sabia se viam das estrelas e da lua ou de uma existência dentro daquela moça que acabara de beijar.

- Me desculpe
- Pelo que?
- Pelo beijo que acabei de te dar.
- Não há nada pelo que pedir desculpas hoje, meu corpo regido por Touro também tem vontades e desejos iguais ao seu e minha alma regida por Peixes também necessita de uma outra alma por inteiro.

As palavras cessaram e totalmente imersos no que eram, não se contentaram em ser sem o outro, a vontade lhes tirou a roupa e os sexos se encontraram na solidão daquela noite, um estava dentro do outro sem pudor, sem moral, sem antes e depois, era outro plano em que estavam. Quando ele não se fez mais presente e a unha dela deixara de estar em suas costas, perceberam que faltava pouco pra amanhecer. Não queriam ir embora. Porém, eles sabiam nitidamente que um dia não poderia durar mais do que o tempo proposto para uma noite, não teria o mesmo valor. Se levantaram e começaram a catar do chão tudo o que ele havia jogado pros ares, ela estava logo atrás dele, não diziam nada. Ela o agradeceu e mandou se cuidar. Ele, antes de se virar para ela, continuou a catar suas coisas no chão, a pasta, o terno, a gravata, os sapatos e falava ao mesmo tempo que deveriam se encontrar pra tomar um café, insistiu em dizer seu nome, anotar num papel qualquer o telefone, até que ele olhou pra trás, ela não o seguia mais, na verdade, tinha sumido de vista e achou tão estranho, porque não era pra ela estar tão longe de seus olhos caso tivesse andado. Procurou-a por toda extensão e não conseguiu encontrar, foi pra casa, resolveu fazer um café e se jogar na cama durante o dia, continuar com aquele cheiro, aquela areia e as lembranças, ficou imaginando olhando para o ventilador rodando no teto se não teria sido um sonho, uma miragem, uma invenção de sua cabeça pra disfarçar um traço de solidão e desespero, quando tirou a camisa e se olhou no espelho, as marcas ainda estavam lá e ao tirar a calça, deixou cair um bilhete, pensou ser uma bobagem do escritório até ler que "A beleza de uma vida está no momento em que passamos a existir sob outro olhar. Quem não tem mais nada a perder, só tem a ganhar". E se sentiu feliz com o que via.

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